Dos Lugares Onde Nunca Estive – Filipe Romão
A Galeria SETE apresenta a exposição Dos Lugares Onde Nunca Estive de Filipe Romão que terá início no
dia 20 de Outubro, sábado, pelas 17h, e prolonga-se até ao dia 24 de Novembro de 2018.
Filipe Romão (1981) tem vindo a trabalhar com pintura, fotografia e desenho, construindo com discrição
mas persistentemente numa obra com grande coerência e unidade poética e plástica, onde a observação,
a imaginação, o virtuosismo e a melancolia se alinham na criação de imagens quase sempre invocadoras
da utopia de uma Natureza intocada, com o consequente sentido de ausência do humano. Na continuidade
do trabalho imediatamente anterior (da série “Paisagens para um homem só”), neste novo trabalho
(“Dos lugares onde nunca estive”) o artista muda de técnica e amplia formatos, mas não muda a sua poética
própria, mantendo-se no mesmo diálogo sistemático com a tradição do desenho e da pintura, como bem
observa e elucida o crítico de arte João Silvério no texto que escreveu a propósito deste conjunto de obras que agora apresentamos.
“Dos outros lugares, sem memória
Aqui a paisagem é inventada, recriada, resgatada como género à pintura e ao desenho, o detalhe e a imprecisão
de algo distante, a potência da firmeza da figura que se destaca, a semelhança com qualquer outra paisagem
que já vimos, ou que imaginámos, mas também o olhar do artista sobre uma forte tradição na história da representação
visual, enquanto resposta perante a possibilidade de produzir uma imagem segundo uma natureza possível,
sonhada e alicerçada na literatura, na poesia e de certa forma numa cosmografia de referentes românticos.
As obras que constituem esta exposição revelam uma aura melancólica, não só pela sua tonalidade densa, mas
porque se aproximam por um lado do chiaroscuro, que desde o séc. XV até ao período romântico acentua um
pendor dramático, e assim psicológico, presente nas pinturas e nos desenhos deste longo período da história da arte.
Por outro lado, contudo, os desenhos de Romão confrontam-nos também com uma subtil contradição que nos propõe
um diálogo na relação entre a figura e o fundo, este último trabalhado segundo uma técnica próxima do sfumato.
O seu processo técnico é importante porque revela uma proficiência no sentido de não ser refém de um virtuosismo
realista, mas também porque não despreza a memória da mão que esbate o contraste e que desenha com precisão e
vigor até o mais ínfimo detalhe da figura, que se aproxima do observador como se estivesse em permanente movimento.
Os desenhos são executados a carvão sobre papel, revelando essa densidade, anteriormente referida, que trabalha a
luz como uma penumbra ou, inversamente, a alvura do fundo quase branco (a textura do papel) como no desenho N.º 10.
Esta relação entre a forma e o fundo, independentemente do tratamento a que este é sujeito, revela-nos uma outra
condição da construção destas paisagens: um factor cumulativo, de sobreposição e de excesso, como se esta ideia de natureza,
não conhecida nem habitada, encontrasse a sua residência no título desta série, “Dos Lugares Onde Nunca Estive”.
Esses lugares têm, contudo, uma estreita ligação ao quotidiano do autor, ao silêncio, à procura incessante dessa natureza primeva
que Filipe Romão cria a partir das paisagens que percorre por entre a variada florestação da Serra de Sintra, na sua vizinhança. Dessa natureza
matricial pouco resta, porque a paisagem é uma construção humana, e neste aspecto as paisagens desenhadas correspondem a uma possibilidade
de representar um desejo de as conhecer, não como foram, mas como são no seu imaginário agregando entidades fantásticas, como arvoredos,
ou extensões campestres como mantos indistintos transmutados pela velatura que dá corpo a essas figuras arbóreas.
Esta série de desenhos convoca também uma ausência, não apenas da figura humana, mas essencialmente da sua passagem, sendo por isso mesmo
a invenção de um diário sem tempo, e sem ordem, como se todos os modelos de paisagem se unificassem em cada uma destas imagens, e no
interior de cada uma nascessem ainda outras, numa constante reinvenção, que parecendo-nos familiares exibem um aparente equilíbrio da
composição, contrário a essa idealização de uma paisagem natural que nos é anterior. Não encontramos qualquer indício, ou referência, que
nos situe perante estas vedute tão comuns na sua aparência mas simultaneamente tão estranhas pela profusão de elementos que acentua o
silêncio que sentimos ao pensarmos um qualquer lugar, em que cabem todos os lugares da natureza onde nunca estivemos.”
João Silvério
Revisão de texto: José Gabriel Flores
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