Alexandre Baptista – LANDSCAPES

Alexandre Baptista LANDSCAPES Convite

Alexandre Baptista – LANDSCAPES

A Galeria Sete apresenta a exposição “LANDSCAPES”, uma mostra individual do artista plástico Alexandre Baptista que inaugurará a 18 de maio, das 17h às 20h e patente até 29 de junho de 2024. A entrada é livre e todos são bem-vindos!

A paisagem habitada que nenhum mortal descobriu

Sob o mesmo céu azul, sobre o mesmo verde, as gerações passam, uma após outra, e veem o sol que nos sorri; ainda é o sol de Homero. (Schiller, La promenade)

A materialidade da paisagem esbate-se na superfície pictórica. O gesto simplifica-se e impede que as formas se completem nas múltiplas representações da montanha, do campo, ou do mar — na história da paisagem ocidental. A mancha desestabiliza a vontade de uma potencial totalidade figurativa convocando interacções plásticas que organizam os fluxos entre a realidade e o imaginário. Sem apelar a uma qualquer idealização originária ou ceder à retórica fácil do slogan é no campo de uma poética da incerteza que Alexandre Baptista situa o lugar das imagens que configuram este projecto. Incorporando as contingências dos lugares e o mal-estar da civilização que espelha a contemporaneidade, é ainda o diálogo entre artistas e escritores que se faz ouvir — o eco do pensamento-paisagem de Michel Collot. Através de uma geografia expositiva que articula pintura, texto, fotografia, objectos, filme e instalação, o artista constrói um enunciado de metamorfoses que tanto activa o desconhecido, a serenidade mais contemplativa, intimista e tenebrosa da paisagem dos românticos, como nomeia a sua actualidade no território político e conceptual.

Desviando-se de qualquer nostalgia e de um simples retomar historicista do passado, é na tensão entre memória e esquecimento, interior e exterior, do questionamento reflexivo sobre a paisagem natural e urbana, pública e privada, que radica a estratégia crítica desta proposta. Elementos fabris, climáticos, geológicos, botânicos, culturais e históricos, inscrevem-se em obras que reclamam e atravessam a experiência do corpo orgânico — uma singular relação corpo-a-corpo através da qual as trajectórias cromáticas, não procurando o deleite da composição ou normas que as determinem, operam como forças perceptivas que nos convidam a afastar dos detalhes. A vitalidade do processo artístico que transfigura a paisagem, evoca uma certa ideia de pathos, de experiência subjectiva, que consagra a autonomia da pintura. Quando a arte já não imita a natureza, esta transforma-se no palco legítimo para uma crítica da representação.

Se nesta exposição o fantasma da liberdade dialoga com fragmentos de um mundo no qual as lutas ideológicas e o imperialismo financeiro bloqueiam o próprio imaginário — é a guerra que, ocupando aquele lugar, integra a economia real da morte. O automatismo psíquico transforma-se num mecanismo panóptico. Apropriando-se de imagens apocalípticas, Alexandre Baptista confronta-nos com registos fílmicos que retratam vidas que não interessam a ninguém, para falar como Christian Bobin. Imersas no seu próprio ruído, desenham uma espécie de inventário que manifesta a exploração tecnológica e económica, a destruição massiva e um falhado sentido da vida humana na Terra. Distante da representação tradicional e dos horizontes melancólicos da paisagem, as ruínas do classicismo e os vestígios arqueológicos dão agora lugar a desacertos entre a natureza, a história e a cultura. De outra finitude do mundo se trata.

A intensa fisicalidade generalizada dos detritos constitui a nossa topografia concreta. A poluição e os depósitos de lixo, o desaparecimento galopante das espécies vivas, a fome e a doença, o trabalho e a indústria, ocupam o espaço da consagrada natureza indomável e de uma lírica escrita da paisagem. A obstinada atmosfera sonora que dialoga com este programa visual não se faz acompanhar pelo canto dos pássaros mas pela agonia do colapso. O voo que procura novas melodias não se ajusta a estas imagens que tornam o fogo num inferno. Entre impurezas e deformações, algumas existências convertem-se a uma vita nuova, ânimos eternos que saltam no desconhecido. Para lá do bem e do mal. Mesmo que não cheguem a lugar algum. Um ethos em devir. Por vezes, apenas resta a marca obscura de palavras que repetem as fronteiras do interior da linguagem. Perdem a gravidade da verosimelhança e ganham a leveza da potência. Uma questão de vertigem. Escreveu Amiel que a paisagem é um estado de alma. Todavia, foi na paisagem enquanto regime de exterioridade que a metafísica da natureza afirmou o seu território privilegiado. Ainda não esgotámos a liberdade deste caminho através do qual a paisagem se torna ela mesma viagem e lugar de passagem — a grandeza do mundo.

Eduarda Neves

(a autora não escreve segundo o novo acordo ortográfico)

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